top of page
  • Instagram
  • Tumblr
  • Spotify

A República e as eleições

Foto do escritor: Rogério Baptistini MendesRogério Baptistini Mendes

Atualizado: 14 de jan.

A subversão dos princípios republicanos semeia conflitos e ameaça a democracia.

Erving Goffman


As sucessão presidencial é característica da forma de governo em vigor. O mandato eletivo e com prazo determinado opõe a República, escolhida pelo povo em plebiscito, no ano de 1993, à monarquia, cuja chefia é hereditária e por tempo indeterminado.


Em que pese a forma, o Brasil é um arremedo de República. Aqui, não governam as leis, mas os homens; e, não raras vezes, os piores. É o que se pode deduzir ao avaliar retrospectivamente a sociedade política pelas manchetes de jornais dos anos deste período presidencial. Há de tudo um pouco, mas sobressai o desprezo bolsonarista pela Constituição em vigor e, em consequência, pela responsabilidade que deve ter o chefe do governo republicano perante o verdadeiro soberano, que é o povo do Estado.


O caráter particularista e excludente imposto às ações de governo, atentando contra as ideias, os sentimentos e a honra dos cidadãos que não comungam o credo político e ideológico particular dos mandatários faz do Brasil uma espécie de campo de extermínio. Não se encaixar no estereótipo do “cidadão de bem” governista conduz à estigmatização social e, no limite, pode levar à morte. São conhecidos os números trágicos da violência contra as minorias e o saldo crescente de assassinatos no período.


O tratamento pejorativo do presidente, de ministros e de parlamentares da base de apoio aos brasileiros por conta de diferenças de cor de pele, orientação sexual, política e religiosa, entre outras, exprime um antirepublicanismo atroz. Ao desacreditar um cidadão por conta de sua condição ou ideias, essas autoridades o lançam em situação de precariedade na sociedade política, diminuem a sua importância e roubam o seus direitos fundamentais. É como se lhe retirassem a humanidade. O “eu não sou coveiro” ainda ressoa sobre os cadáveres da Covid-19.


O sociólogo canadense Erving Goffman, em seu Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (1963), adverte que macular atributos diferenciais da identidade social dos indivíduos produz consequências danosas, cria interdições e lugares proibidos. Ao mesmo tempo, junta os excluídos entre os seus, entre os considerados iguais. Para a integração dos cidadãos na polis isso é o fim: não aponta para a formação de consenso sobre a convivência e faz explodir os conflitos. A universalidade dos cidadãos, fundamental para a existência da República, una e indivisível, fica comprometida.


É do jurista alemão Carl Schmitt, em O conceito do político, a noção segundo a qual a lógica da guerra, dos amigos contra os inimigos, não deixa de permear a política (1992). Na conjuntura atual, porém, na qual cargos civis são ocupados por militares fardados em número sem precedente, a impressão que fica é de que o adversário a ser destruído pelo governismo é local. Daí a exacerbação dos conflitos e a busca por marcar os adversários. Trata-se de selecionar para usar a força coativa do Estado contra os do próprio povo. “Eliminar uns 30 mil”, como queria Bolsonaro, em números de 1999.


Selo de unidade dos cidadãos, a República simboliza o governo da lei com a finalidade de produzir o bem comum. Entre nós, entretanto, a vontade de uns poucos se sobrepõe à Constituição, estimula a anarquia e cria o conflito. O saldo é uma espécie de alegoria do estado de natureza hobbesiano, uma situação em que todos estão contra todos e a violência em toda a parte. Nem mesmo é fácil identificar os amigos nesta guerra, como comprovam as defecções no governismo e o dissenso oposicionista. Logo, a aposta na saída autocrática de corte militar. Um nacional retrocesso.


A tragédia dos brasileiros é assistir à montagem deste enredo e esperar a resposta das urnas. A crise acima aludida não pressagia bons ventos. Esperar um timoneiro enviado pela providência pode ser uma ilusão. Nas sociedade modernas, por fora de uma cidadania ativa e imbuída de uma forte cultura pública, há apenas o barqueiro que conduz para o submundo onde perecem as democracias. Como no poema de Homero, este pode até ser um deus, mas está condenado ao inferno (A Odisséia, 2022).

81 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page