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As Elites Contra a Democracia: Um Padrão Histórico

  • Foto do escritor: Rogério Baptistini Mendes
    Rogério Baptistini Mendes
  • 27 de jun.
  • 3 min de leitura

Em tempos de crise fabricada, elites econômicas e políticas sabotam o governo democraticamente eleito, alimentam o descrédito nas instituições e promovem a imagem de um gestor virtuoso como solução nacional. A história brasileira já viu esse filme e os desfechos nunca foram democráticos.

Ulysses Guimarães
Ulysses Guimarães

No Brasil, as elites políticas e econômicas são herdeiras de uma visão de mundo estratificada, marcada pela exclusão do povo das decisões políticas e dos frutos do desenvolvimento econômico e social. Mesmo sob a Constituição de 1988, chamada desde a origem de “cidadã”, esses grupos atuam em função de sua posição na hierarquia social. Como consequência, o país permanece entre os mais desiguais do mundo na distribuição de renda, segundo relatórios recentes da ONU e do banco suíço UBS. Os que estão no topo concentram riqueza, enquanto os de baixo enfrentam as dificuldades cotidianas da vida e ainda são responsabilizados pela crise fiscal do Estado, como demonstra a atuação dos congressistas contra os gastos sociais.


O passado explica muito da miopia social das elites, de seu preconceito de classe e da resistência em reconhecer o valor do trabalho social. Originada em um sistema colonial escravocrata, a sociedade brasileira estruturou-se em hierarquias que privilegiam uma minoria, enquanto condena a maioria à obediência. A abolição, às vésperas da República, pouco alterou esse quadro. A ausência de políticas de inclusão e o sufrágio censitário mantiveram até 1930 um modelo excludente. Posteriormente, o autoritarismo político e o clientelismo deram sobrevida à cultura patrimonialista, convertendo o cidadão em dependente dos favores da elite política.


Hoje, essas elites resistem a qualquer reforma que promova justiça social e participação popular. No Congresso, criminalizam movimentos sociais — sobretudo os que lutam pela terra —, impedem a reforma tributária progressiva e reduzem direitos sociais. Ignoram a tragédia social que se desenha com o avanço da miséria e da violência. Enquanto isso, continuam a desfrutar de condomínios fechados, shoppings, clubes exclusivos e viagens internacionais. À população pobre, sobra o discurso meritocrático, o trabalho precarizado via aplicativos, a violência das polícias e a exclusão.


Apesar do discurso de adesão à Constituição de 1988, parte das elites atua contra sua efetividade. A democracia brasileira ainda é jovem e, embora tenha avançado desde 1985, enfrenta distorções representativas, interferência do poder econômico e desigualdade de acesso à Justiça. A direita e a extrema-direita exploram a velha tradição da infantilização do povo, apresentando-se como aqueles que “vão fazer pelo povo”, impedindo sua autonomia política.


Neste contexto, o nome apresentado pelas elites como o salvador da vez é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Com apoio de parte da mídia e de lideranças religiosas, tenta-se fabricar a imagem de um gestor técnico, eficiente, capaz de “colocar o país nos trilhos”. A sabotagem de políticas sociais e fiscais do governo federal é transformada em narrativa de incompetência, criando artificialmente um clima de caos.


Esse movimento repete padrões do passado. Azevedo Amaral, intelectual da década de 1930, via na crise a justificativa para a ascensão de líderes providenciais. Em suas palavras, “a revolução afortunada [...] descobria agora que o seu ímpeto irresistível não tivera outra finalidade além da conquista pura e simples do governo da Nação”. Amaral atribuía a Getúlio Vargas qualidades excepcionais — “instinto da ordem”, “gênio político” — que justificavam a suspensão da democracia em nome da salvação nacional. O paralelo com a tentativa de construção da imagem de Tarcísio é evidente: também se busca um homem técnico, racional, acima da política, mas a serviço de um projeto autoritário.


Além da fabricação do caos, a estratégia inclui a desqualificação das instituições democráticas. Se Amaral falava em “sufrágio promíscuo” e “modelos exóticos”, hoje a extrema-direita ataca o STF, a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas. Afirma-se que as eleições foram manipuladas e que o presidente Lula não é legítimo. O desfecho desejado é o mesmo: fechar o regime e entregar o país a um líder forte.


A história brasileira mostra que, quando o povo é afastado da política em nome da ordem, o resultado nunca é estabilidade, mas autoritarismo e exclusão. Por isso, é preciso denunciar a sabotagem institucional travestida de responsabilidade fiscal, a fabricação de crises e a promoção de falsos salvadores. A democracia, com todos os seus defeitos, ainda é a única via legítima para transformar o país. Fortalecê-la exige mais que votar: exige resistir às farsas e impedir que os velhos fantasmas vistam nova farda ou nova gravata. Como afirmou Ulysses Guimarães, em seu discurso histórico na promulgação da Constituição de 1988: “Temos ódio e nojo da ditadura. Amaldiçoamos a tirania, onde quer que ela desgrace homens e nações.” É com essa clareza moral que devemos enfrentar o novo autoritarismo, ainda que disfarçado de eficiência.

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