Entrevista concedida ao Portal IG, no dia 5 de março de 2024, sobre as gerações Y e Z e o mundo do trabalho. A inspiração para as respostas foi o trabalho do sociólogo norte-americano Richard Sennett, professor da London School of Economics e do Massachusetts Institute of Technology.

Richard Sennett
IG - Como as percepções da geração Z em relação à carreira e profissões diferem das atitudes dos millennials, considerando os contextos socioculturais e econômicos em que essas gerações foram criadas?
Rogério Baptistini - A geração Z é formada por pessoas nascidas entre a segunda metade dos anos de 1990 e 2010. Seus membros são jovens nativos tecnologicamente, que nasceram no mundo integrado pela internet, pelas redes sociais e por seus suportes físicos -os smartphones. O seu drama é de natureza cultural, ou seja: a sociedade que habitam cria uma sensação de liberdade vivenciada no curto prazo, mas não oferece expectativas de longo prazo.
No presente, com saúde, imaginação e flexibilidade para adaptar-se ao fluxo das inovações, dos investimentos e da desregulamentação, as pessoas empreendem a própria vida. Caem, se levantam e recomeçam muitas vezes. A médio prazo, sem redes de solidariedade profundas em empregos estáveis, enfrentam a solidão e o cansaço, o que explica a atitude niilista de muitos adultos jovens. E, também, o adoecimento e os índices de suicídio.
IG - Em termos de relações de trabalho, de que maneira as expectativas da geração Z em relação à flexibilidade, propósito e equilíbrio entre vida profissional e pessoal se distinguem das prioridades dos millennials?
Rogério Baptistini - Os millennials, ou membros da geração Y, viveram parte de suas vidas sem a internet e, quando os smartphones apareceram, já eram adultos. Isso reflete no seu comportamento, pois viram o mundo acelerar e tornar-se cada vez mais complexo.
Em relação à cultura, apesar de vivenciarem mudanças bruscas e disruptivas e a fragmentação da própria identidade profissional e social, com o consequente aumento do medo e da ansiedade, os millennials ainda estiveram, de certa forma, ligados às redes de proteção herdadas do passado. Os valores e instituições da época da carreira, da previdência social e do planejamento do futuro cumpriram certa função estabilizadora para os seus membros. E isso serviu para a manutenção do otimismo e da ousadia dos indivíduos.
IG - Como as transformações tecnológicas e a ascensão da economia gig influenciam as escolhas de carreira e as visões de trabalho da geração Z em comparação com os millennials, e quais são os impactos sociológicos dessas mudanças?
Rogério Baptistini - Uma economia baseada na prestação de trabalhos temporários, de curto prazo ou alternativos exige um ser humano desvinculado das narrativas tradicionais do tempo, entregue ao curto prazo e com desdém pela memória enquanto acúmulo de experiências.
Nas sociedades analógicas, a relação do indivíduos com o tempo era de longa duração. Havia a expetativa de planejamento e controle de longo prazo em torno da carreira, das conquistas e da previdência. Essa narrativa envolvia duas instituições fundamentais: a empresa tradicional e o Estado.
A família, a escola, a universidade, a empresa, o Estado e as suas instituições se encadeavam na vida dos indivíduos de forma regular e contínua, conferindo pertencimento, sentido e identidade. Hoje, isso não mais acontece.
Para viver hoje, o sujeito não acumula experiências, pois as mudanças são aceleradas e disruptivas. Ele tem de ser flexível e estar constantemente em movimento, se reinventando. Seu conhecimento passado vale pouco ou nada vale. O que importa é estar disponível no presente para o exercício de tarefas - muitas em curto espaço de tempo. Eficiência é mote de uma sociedade que se consome no instante em que se cria e recria nas redes digitais.
IG - Pode-se identificar algum padrão nas aspirações profissionais da geração Z que destaque uma evolução ou reação em relação às escolhas de carreira dos millennials, levando em consideração fatores como valores, busca por propósito e a relação com instituições tradicionais?
Rogério Baptistini - Responder esta pergunta não é fácil. Há análises que indicam os membros da geração Z como indivíduos que valorizam a independência e a flexibilidade, sendo que as regras rígidas de um emprego formal os aborrecem ou afastam. O problema é que estrutura do trabalho mudou ou está mudando.
As limitações aos investimentos caíram e o padrão de conduta dos investidores se alterou. Estes querem ganhar no curto prazo com a valorização das ações e não no longo prazo com os dividendos. Não bastasse, as alterações impostas pela tecnologia digital tornaram mais barato substituir trabalhadores por máquinas ou programas. Assim, o emprego e a carreira sofreram bruscas alterações. Profissões desapareceram, a estabilidade acabou e deixamos de constituir uma sociedade de produtores.
Neste novo mundo, em que todos tem de consumir para viver, mas nem todos encontram a segurança no trabalho, os membros da geração Z são os primeiros - mas não os últimos! – a enfrentar a sensação de estar à deriva, navegado sem enxergar horizonte.
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