Levantamento do Ministério das Relações Exteriores feito em 2020, a partir de informações coletadas pelos consulados, mostra que o número de brasileiros vivendo no exterior ultrapassa 4 milhões. Cerca de 2 % dos brasileiros moram em um país estrangeiro.
Stepham Zweig
A história de formação do Brasil, desde o século XVI, é marcada por dois processos com sentidos inversos: chegada de pessoas e saída de mercadorias. É assim que se constituiu a nacionalidade no período colonial, sobre a base escravocrata. A terra acolhia gente para atuar nas atividades extrativas de produtos primários, primeiro no nordeste canavieiro, depois nas minas. E, no século XIX, com as consequências da revolução francesa na Europa, recebeu a coroa e a aristocracia portuguesa, o cancro roedor do trabalho alheio, conforme expressão do jornalista Hipólito José da Costa (FAORO, 1989).
Na segunda metade do século XIX, inserido no sistema capitalista da segunda revolução industrial como fornecedor de um produto primário de alta procura, o café, e impedido de produzir com base no trabalho escravo, o Brasil recebeu imigrantes europeus de outras nacionalidades. Estes, foram protagonistas, primeiro, do êxodo rural-urbano interno ao continente europeu; depois, empreenderam nova partida em direção ao novo mundo (HOBSBAWN, 2007). Para o país vieram aos milhares como sucedâneos dos escravos e formaram a base do país moderno, que internalizou a sua economia no século XX, graças à industrialização que substituía importações.
De 1930 até os anos de 1980, o Brasil e os brasileiros experimentaram um processo de modernização econômica que, de fato, fazia crer no país do futuro, da obra de Stefan Zweig. Mesmo o autoritarismo político das elites civis e militares não era suficiente para queimar a esperança. Somente a década perdida dos anos 80, em que a desigualdade do processo de desenvolvimento havido era aberrante, fez os brasileiros iniciarem um processo de desistência do país. Naquela época, o economista Edmar Barcha cunhou o termo “Belíndia” para definir a realidade econômica e social. Concluímos a transição à civilização urbana e industrial sendo uma pequena Bélgica de prosperidade cercada por uma grande Índia de abandono.
Diáspora brasileira
Hoje, a saída de brasileiros é indício de algo mais grave do que o encerramento de um ciclo de desenvolvimento. É o processo civilizatório, de construção da nação imaginária, que sofre um abalo profundo.
É fato que, do ponto de vista econômico, o Brasil moderno, com mercado interno forte sustentado no setor industrial e capaz de oferecer empregos de qualidade aos cidadãos está quase que, definitivamente, sepultado. Mas o principal é que os grupos no poder, sobretudo após a tragédia que foi o governo Bolsonaro, promoveram uma ruptura com a própria história e, portanto, com o povo, sem oferecer nenhum tipo de projeto alternativo de futuro. O país é apresentado aos viventes como um acampamento de estranhos, não uma sociedade política. Um certo discurso que junta agentes do mercado, governantes e líderes religiosos neopentecostais conduz à lógica do salve-se quem puder ou, em outros termos, à ideia de que o mundo é dos eleitos. Isso explica a fuga do desastre.
Sem emprego, renda e assistência, em um cenário absolutamente hostil, sair passa a ser a solução. O Brasil, terra do futuro, já não faz mais parte do imaginário de uma geração de brasileiros que vaga errante em busca daquilo que imagina ser uma boa vida: salário, segurança, educação, assistência. Ou seja: comunidade política organizada. É o paradoxo produzido quem conduziu ao poder governadores, prefeitos, deputados e senadores que negam o Estado e a própria política.
Os motivos da fuga
Há, obviamente, a desilusão de viver em uma sociedade que não oferece empregos de qualidade e, tampouco, a possibilidades de planejar o futuro a partir da condição de trabalhador. Isso gera a sensação de insegurança, que é manifestada de diversas formas e se revela no discurso negativo em relação ao país e às pessoas.
Por outro lado, há o efeito demonstração proporcionado por sociedades em que, aparentemente, o padrão de vida é qualitativamente melhor, ainda que isso não seja verdadeiro, sobretudo para os estrangeiros.
Na verdade, vivemos em um mundo no qual o capital e as mercadorias circulam livremente, mas as pessoas conhecem barreiras à sua entrada e, quando dentro dos países, hostilidades à permanência. Os ricos saem do Brasil e desfrutam a riqueza em qualquer lugar; os pobres não são bem aceitos. Os primeiros carreiam renda do Brasil para fora; os segundos vão competir com os locais pelas vagas de trabalho cada vez mais escassas.
Nestes termos, sem um projeto de país capaz de integrar o destino de todos os brasileiros, até mesmo no movimento pelo mundo há dois Brasis: o de primeira classe e o de segunda classe. Este, os das pessoas entregues à própria sorte, vagando de forma errática em busca da ilusão de segurança, raramente encontrada.
BIBLIOGRAFIA:
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 2 volumes. 8ª edição. Rio de Janeiro: Globo, 1989.
HOBSBAWN, Eric. A era do Capital (1848-1875). São Paulo: Paz e Terra, 2007.
ZWEIG, Stefan. Brasil, país do futuro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1941.
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