Os fascistas não conseguem estabelecer mediação entre o que sentem e o que pensam ou entre ficção e realidade. A história é um eterno presente e a noção de verdade ou de mentira inexiste, ajustada sempre à convicção ideológica de superfície difundida instantaneamente pelos aplicativos.

Anjo do terremoto. Foto de Miguel Alvarez-Bravo (1957)
O tipo médio fascista, seguidor de Trump, Bolsonaro, Milei e de outros sujeitos repugnantes a serviço da extrema direita é uma construção da dinâmica do sistema econômico e social do capitalismo. Não surgiu por obra do acaso e, tampouco, resulta do esforço crítico de indivíduos dedicados ao estudo e à pesquisa.
Embora os militantes mais aguerridos do fascismo contemporâneo se apresentem como intelectuais, com conhecimentos profundos em economia, finanças, política e comportamento, não passam de repetidores de sentenças e frases feitas. Debatem ideias aos gritos e surdos para o contraditório; se impõem pelo cansaço e pela força. Preferem a arena romana à ágora grega. São boçais que pensam tratar com escravos.
A internet, as redes sociais e os seus suportes físicos, os smartphones, criaram a condição favorável à marcha desassombrada desses homens e mulheres fascistas por sobre as instituições de negociação, regulação e controle que dão vida à democracia moderna. Permitem que ignorantes de si mesmos e do mundo deem vazão à sua condição e a reifiquem, tornando potência o que deveria ser superado pelo conhecimento das causas, pelo esforço de análise objetivo e desapaixonado.
Os fascistas não conseguem estabelecer mediação entre o que sentem e o que pensam ou entre ficção e realidade. A história é um eterno presente e a noção de verdade ou de mentira inexiste, ajustada sempre à convicção ideológica de superfície difundida instantaneamente pelos aplicativos. É assim que se lançam ao desastre social, político e econômico: disseminam vírus mortais, elegem genocidas, apoiam políticas de concentração de renda e de poder.
No Brasil atual, por exemplo, sob o pretexto de liberdade religiosa, pessoas fanatizadas, muitas delas descendentes de negros africanos escravizados, julgaram conveniente ouvir a pregação de um pastor norte-americano defensor da escravidão (PACHECO, 2024)[1]. Seria cômico, não fosse trágico! Mas a imensa máquina de distração das redes sociais funciona a serviço de tudo que afasta da realidade. Exatamente como a religião e a indústria cultural.
O sistema econômico e social do capitalismo cria aberrações como a justificativa da escravidão humana sob pretexto divino. A sua lógica de utilização do tempo lança a todos num vazio que só pode ser preenchido com um consumo crescente de tolices e experiências vazias, desconectadas do que somos como seres e como humanidade. A nossa condição e existência é ignorada; a forma mercadoria enaltecida. Tudo é resumido no que podemos comprar e acumular ao longo da vida.
Como não entrega o que vende, o capitalismo cria fascistas. Sua publicidade estimula os sentidos, ativa o desejo. O seu funcionamento é um obstáculo à satisfação. Essa contradição é vivida como uma experiência angustiante pelo tipo médio do sistema. O fascista está inspirado por sensações que não compreende e desaguam no ódio brutal contra as manifestações sociais e culturais que julga responsáveis pelo seu sofrimento. Daí o ódio contra as feministas, os homossexuais e os jovens socialistas. Estes encarnam a alegria e a esperança no futuro, são a manifestação da consciência crítica intangível ao bruto.
O discurso extravagante de Milei em Davos - com ataques ao feminismo, ao socialismo e à justiça social (LUCENA, 2024) - foi uma forma de manter a mobilização dos tipos pervertidos em torno da ideia de regeneração da Argentina. Assim como o decaído Bolsonaro, esse tipo de líder segue a cartilha dos governos totalitários de Mussolini (1925-43) e de Hitler (1933-45), segundo a qual se deve ocultar as verdades visíveis e desorientar. Os ricos aplaudem, a classe média e os pobres enlouquecem. E abismo parece não ter fim.
NOTA:
[1] Após repercussão negativa, a organização do evento Consciência Cristã, que acontecerá no feriado de Carnaval em Campina Grande, na Paraíba, cancelou a participação do pastor calvinista Douglas Wilson, líder da Igreja de Cristo usa a Bíblia para apoiar a escravidão.
BIBLIOGRAFIA:
PACHECO. Ronilso. Congresso evangélico trará ao Brasil pastor americano que defende escravidão. In: The Intercept Brasil. 16 de janeiro de 2024. Acesso em: 22 de janeiro de 2024. < https://www.intercept.com.br/2024/01/16/congresso-evangelico-consciencia-crista-trara-pastor-douglas-wilson-defensor-da-escravidao/
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LUCENA, André. Milei usa discurso em Davos para atacar socialismo, feminismo e justiça social. In: Carta Capital. 17 de janeiro de 2024. Acesso em: 22 de janeiro de 2024. < https://www.cartacapital.com.br/mundo/milei-usa-discurso-em-davos-para-atacar-socialismo-feminismo-e-justica-social/. >
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