O fascismo é um sistema de dominação com lógica totalitária, baseado na aniquilação da oposição, na violência e no terror. A fabricação da opinião pública é fundamental para a sua reprodução e perpetuação.
Umberto Eco
Nas democracias, o recurso à opinião pública costuma conferir legitimidade às decisões. Este é o motivo para a batalha travada em torno de sua formação e controle. No nível simbólico da constituição do discurso público são atualizadas as relações de poder entre as classes, grupos e estratos sociais, forma-se o consenso sobre o que é a realidade. Deuses e demônios são criados.
Apesar de ser uma abstração, a opinião pública é composta por uma massa de pessoas. Esta se alimenta de fantasmagorias, ideias que se opõem à razão, sendo imunes à crítica dos fatos. Desejos reprimidos, não realizados, ajudam a compreender esse recalque e a elucidar o fenômeno. O comportamento conformista, conservador e opressivo das gentes ganha sentido e dá contorno ao fascismo.
O conformismo é um elemento presente no fascismo, mas é diverso dele. É uma doença do fanático, daquele que segue cega e acriticamente, com zelo extremado, uma ideia falsa. Sua conduta se torna opressiva pelo recurso à violência em defesa da conservação do seu ponto de vista. É a expressão de sua covardia intelectual e moral.
“O conformismo responde ao zelo obstinado do fanático com o zelo covarde de quem não quer correr o risco de ser perseguido por causa das próprias ideias, com a aceitação resignada e servil das verdades alheias, embora intimamente não aceitas”. (BOBBIO, 1991. P. 464)
O fascismo, diferente do fanatismo, apesar da variedade de definições, na origem é um sistema de dominação com lógica totalitária, baseado na aniquilação da oposição, na violência e no terror. A sua existência reclama fanáticos. A fabricação da opinião pública é fundamental para a sua reprodução e perpetuação. O seu indivíduo é uma nulidade, apesar da apologética pequeno-burguesa da livre iniciativa. O que importa, na verdade, é o povo tomado como potência, como vontade. Daí a sua associação com a transcendência da nação, de deus ou da eternidade de certos valores. O líder é o seu intérprete.
Wilhelm Reich explica que a origem dos líderes fascistas é a dos pequenos sargentos do exército. Um zé-ninguém como Hitler, filho de um humilde funcionário público, que pode hoje ser comparado aos seus sucessores contemporâneos, carregando culpas que somente encontram expiação na sede de autoridade que exercem a serviço dos verdadeiros donos do poder[1]. Estes sim, os responsáveis pela frustação das classes médias e dos demais grupos subalternos, os perdedores e humilhados, carregados de cólera e ressentimento.
Em um mundo em que a desigualdade se intensifica, o fanatismo e o conformismo alimentam e propagam o fascismo. Ele está relacionado, de certa forma, ao medo. Um medo primitivo com efeitos devastadores sobre a política. Os amedrontados empobreceram ou estão em vias de empobrecer. Não compreendem a causa verdadeira de sua situação. São alienados de seus corpos, de suas mentes e das coisas que constroem diariamente. Vivem atormentados por fantasmas, expressões profundas das forças motrizes de suas existências vividas como vazias de sentido e de significado.
Sem essas pessoas, a invasão do Capitólio e o 8 de janeiro de 2023 dificilmente teriam ocorrido. É provável, também, que a eleição do sujeito que "conversa" com espíritos de cachorros não passaria de ficção. Há limites até para a loucura, mas, infelizmente, não para o fanático!
Na história contemporânea, o totalitarismo nazi-fascista se impôs pela exploração do medo, do fanatismo e da destruição da verdade. Um zé-ninguém recalcado serviu aos interesses dos “de cima” e canalizou a frustração dos “de baixo” melhor do que qualquer general. O resultado foi o horror inimaginável da solução final e das bombas atômicas. É preciso estar atento e seguir o conselho de Umberto Eco: “apontar o indicador para cada uma de suas novas formas -a cada dia, em cada lugar do mundo.” (ECO, 1998. P. 52)
NOTAS:
[1] “Sob a forma de fascismo, a civilização autoritária e mecanicista colhe no zé-ninguém reprimido nada mais do que aquilo que ela semeou nas massas de seres humanos subjugados, por meio de misticismo, militarismo e automatismo durante séculos. [...] Não é impunemente que o circo da alta política se apresenta perante o zé-ninguém.” (Reich, 2001. XIX)
BIBLIOGRAFIA:
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, DF: Ed. Universidade de Brasília: Linha Gráfica Editora, 1991.
ECO, Umberto. Cinco Escritos Morais. Rio de Janeiro: Record, 1998.
REICH,Wilhelm . Psicologia das Massas e o Fascismo. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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