Conjecturas sobre as Olimpíadas, o esporte e a política a partir de uma entrevista concedida para o site Bloomberg Línea Latinoamérica.

Barão de Cobertin
O esporte não é praticado fora das sociedades por pessoas alienadas da vida cotidiana. Ainda que os atletas sejam cada vez mais profissionais dedicados às suas modalidades, eles são financiados por empresas e representam Estados, carregam ideias, propagam mensagens e causas que extrapolam as competições em que estão envolvidos.
Desde que o Barão de Coubertin [1] idealizou os Jogos Olímpicos para promover um ambiente em que as disputas entre nações não trouxessem morte e destruição, após ver a França, o seu país, ser humilhado na Guerra Franco-Prussiana, em 1870-71, muita coisa mudou, mas uma certeza permaneceu: as Olimpíadas não são antídoto para os conflitos entre Estados e nações.
Em que pese a lembrança da advertência do presidente francês, Emmanuel Macron, poucos dias antes da abertura da Copa do Mundo do Catar, em 2022, quando afirmou que “não devemos politizar o esporte”, essa é uma noção ilusória. Na época moderna, as Olimpíadas estão imersas em contornos geopolíticos, continuam a política por outros meios, para usar livremente uma expressão de Clausewitz [2] sobre a guerra. E quanto a isso, o Comitê Olímpico Internacional tem pouco poder de ação.
No século XX, os jogos de Berlim, em 1936, e de Londres, em 1948, expressaram as disputas que culminaram na segunda Grande Guerra. Hitler pretendia celebrar a superioridade da raça ariana e da Alemanha nazista. No pós-guerra, os ingleses usaram a Olimpíada para exaltar a vitória dos aliados e da democracia. Foi a ocasião em que os Jogos Paralímpicos foram criados, reconhecendo os combatentes mutilados na frente de batalha.
No período da guerra fria, antes do desmonte do bloco socialista, os jogos de Moscou, em 1980, e de Los Angeles, em 1984, foram o palco da disputa entre as grandes potências que dividiam o mundo. União Soviética e Estados Unidos, as duas superpotências nucleares, usavam o esporte como instrumento de propaganda dos respectivos regimes, buscando demonstrar a superioridade de um sobre o outro.
No século XXI, os Jogos Olímpicos de Tóquio aconteceram sob a pandemia, num cenário muito diferente de 1964, quando o país sediou a Olimpíada pela primeira vez. Naquela ocasião, o evento foi um instrumento de diplomacia para apresentar ao mundo uma nação renascida, referência em tecnologia e com economia dinâmica, após ter sido devastada durante a II Guerra Mundial.
A China, com os jogos de Pequim, também se apresentou ao mundo como protagonista. A Olimpíada evidenciou a reconfiguração do sistema de poder internacional, com o país assumindo papel relevante de condutor do crescimento global. Enfim, o esporte olímpico não se prende apenas aos atletas e aos ginásios, pistas, quadras e estádios. É parte das sociedades politicamente organizadas, carrega suas tensões e manifesta os seus interesses. Cada vitória conta politicamente.
NOTAS:
[1] Pierre de Coubertin (Barão de Coubertin), foi um pedagogo e historiador francês, descendente de Fernando III de Castela.
[2] Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz foi um militar prussiano que ocupou o posto de general e é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua obra Da Guerra.
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