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A loucura antes da ruína

  • Foto do escritor: Rogério Baptistini Mendes
    Rogério Baptistini Mendes
  • 12 de jul.
  • 3 min de leitura

O desastre de uma nação é precedido por um delírio. Este alheamento da realidade é, hoje, a principal arma dos engenheiros do caos.

Guy Debord
Guy Debord

Conforme um antigo provérbio grego, a desgraça de uma pessoa é precedida pela loucura – “aqueles que os deuses querem destruir, eles primeiro enlouquecem”. O mesmo se aplica aos povos e às nações. O desastre é antecedido pelo alheamento da realidade, pelo delírio. E é exatamente isso que os engenheiros do caos, na expressão de Giuliano da Empoli, promovem.


O que a novilíngua contemporânea qualifica como “construção de narrativas” é o cimento da crise social e política que atormenta as sociedades e destrói comunidades políticas, criando um ambiente de guerra de todos contra todos, explorado com maestria pela extrema-direita. Afinal, esta se nutre do ódio e do ressentimento. Alimentá-los é parte estruturante de sua estratégia para alcançar e manter o poder.


Não causa espanto, portanto, que, enquanto o Brasil sofre um claro ataque à sua soberania — motivado pela tentativa do bolsonarismo de livrar seu líder de um julgamento que pode levá-lo à prisão —, a principal preocupação da extrema-direita seja manipular a opinião pública e ocultar a realidade. Os interesses da sociedade política não interessam aos que desejam o poder absoluto. Eles são uma versão ocidental e, por ora, branda dos talibãs, com roupagem evangélica neopentecostal.


Enquanto o presidente dos Estados Unidos ameaça o país e suas instituições, os bolsonaristas se ocupam em diluir a realidade por meio da construção de narrativas nas redes sociais. Eles aprenderam com Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo (1967), que a vida vivida é substituída pela representação, por uma “relação social entre pessoas, mediada por imagens”, sobretudo em tempos de predomínio absoluto das plataformas digitais. A verdade, nesse contexto, é manipulada, fabricada e imposta.


Neste mundo de verdades fabricadas e impostas — o triunfo das pós-verdades que não se apoiam em fatos verificáveis —, o julgamento das pessoas se torna falho. E quando o julgamento falha, a democracia se torna impossível, pois ela exige o exercício do autogoverno esclarecido. Humanos manipulados não conseguem compreender contextos, discernir situações nem deliberar sobre os próprios interesses. São alienados de si e dos outros. E, ainda assim, julgam.


Viver é julgar e ser julgado. Aprendemos isso com Michel Foucault, que nos lembra que esse não é um simples ato de opinião, mas uma ferramenta de poder social, operando pela disciplina e pela normalização. Quando esse ato se exerce sobre uma realidade diluída, construída artificialmente, a extrema-direita atinge seu intento: o resultado é o caos. As tentativas de golpe contra a posse dos presidentes Biden, nos Estados Unidos, e Lula, no Brasil, aí estão como evidência desse processo.


No norte e no sul das Américas, há um fenômeno que acompanha essa loucura: o retorno do pensamento mágico sob a forma da religião evangélica neopentecostal. O físico Carl Sagan, em O Mundo Assombrado pelos Demônios (1995), alertava que a exploração da irracionalidade coletiva, apoiada no charlatanismo e na pseudociência, poderia produzir resultados desastrosos — como uma metafórica (e por vezes literal) “caça às bruxas” política e social. É nesse território de sombra que a extrema-direita faz suas vítimas, ao custo do sacrifício da verdade e da razão.


Ao utilizar as plataformas digitais para destruir a verdade e manipular a opinião pública, influenciando o julgamento coletivo, a extrema-direita encarna a manifestação tecnológica da miséria moderna: o talibã digital, com roupagem evangélica e neopentecostal. Realiza, assim, as piores previsões de Jaron Lanier, cientista da computação e um dos precursores da realidade virtual. Segundo ele, as redes sociais e seus algoritmos são o palco e a fonte da miséria, da irracionalidade e da condenação mútua. São utilizadas para criar um estado permanente de ansiedade, destruição da empatia e da verdade, pela proliferação de notícias falsas e pela criação de bolhas de realidade que operam como prisões cognitivas.


Não se trata apenas de uma disputa política. Trata-se da sobrevivência da democracia frente à corrosão da racionalidade e da confiança pública. A batalha que se trava hoje não é apenas contra líderes autoritários, mas contra a própria dissolução do real. E, quando o real se desfaz, tudo se torna possível — inclusive a barbárie com aparência de fé e a mentira com aparência de verdade.


É neste cenário que devemos nos perguntar: quem julga, e com base em quê?

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