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O espetáculo de horrores da extrema direita

Foto do escritor: Rogério Baptistini MendesRogério Baptistini Mendes

Atualizado: 18 de jan.

A extrema direita inicia o ano protagonizando um espetáculo de horrores. O enredo é composto por racismo, disseminação de mentiras e ataques à soberania nacional.

Michel Foucault


O ano inicia com os representantes da extrema direita apresentando o seu espetáculo de horrores, fazendo crer que a sociedade e as instituições que a mantém conhecem o seu ocaso. A obra provocaria compaixão ou piedade se não tivesse método e objetivo. O governador racista do Sul, o deputado que propaga mentiras nas redes sociais e os parlamentares que vão se ajoelhar aos congressistas norte-americanos com pedidos de desrespeito à soberania brasileira continuam o golpe contra o Estado social da Constituição de 1988.


O espírito mudancista da Carta Constitucional, objeto de ataques da malta, aponta para a construção de uma sociedade política inclusiva e generosa, capaz de proteger os cidadãos sem distinções. Apesar dos muitos avanços, em quase quatro décadas muitas promessas não foram cumpridas ou se desfizeram. A marcha da história promoveu roteiro diverso daquele imaginado pelos constituintes e a reação, paradoxalmente, se travestiu com as vestes no novo, conduzindo a insatisfação popular por caminhos inesperados.


O Brasil no qual os “de baixo” ingressariam na cena política como cidadãos plenos e constituíriam uma coletividade de classe média é, hoje, um ajuntamento de pessoas tristes e violentas, com vidas despedaçadas e que se creem numa jornada empreendedora contra tudo e contra todos. E isso não é obra do acaso, da providência ou do comunismo! Assim como a ideia de humanidade é construída[1], a imagem que nutrimos acerca de nós e de nosso destino também o é.


Se a redemocratização se fez num contexto em que a sociedade ainda experimentava a memória da industrialização e do desenvolvimento que conduziram ao Brasil moderno, na conjuntura imediatamente posterior essa reminiscência se desvanece. O novo mundo do neoliberalismo e do triunfante capitalismo financeiro tem como adversários o Estado e o desenvolvimento nacional, de forma que a indústria e a produção deixam de ser o foco de atenção.


De uma sociedade de produtores, que iniciou o reconhecimento da cidadania pelo trabalho formal [2], transitamos rapidamente para uma sociedade de consumidores, na qual “o capital e trabalho passaram por processos simultâneos de desregulamentação e privatização contínuas, profundas e aparentemente irreversíveis, embora ainda incompletas” (BAUMAN, 2008. P. 15). Basta avaliar a lógica das privatizações e das reformas conduzidas pelos governos para compreender o fenômeno e a sua natureza trágica em um país que nunca incorporou plenamente, ou seja, que carrega consigo a marca do atraso.


A sobreposição de tempos entre nós -o atraso não superado, o moderno incompleto e o moderníssimo da desregulamentação e do salve-se quem puder- conduz a uma situação peculiar. Antes de se enxergarem como portadores de um destino comum, os brasileiros perdem a noção de sua própria imagem humana, tornando-se incapazes de empatia pelos demais. Neste âmbito, da subjetividade, a encenação dos extremistas de direita conduz ao desastre.


A transformação das pessoas em simples indivíduos, átomos isolados, alguns perfeitos e outros imperfeitos, obedece a uma lógica perversa de destruição do social. Libera novas formas de manipulação, controle e exploração econômica enquanto faz crer que tudo é um ato de livre escolha. Afinal, governar é moldar estilos de vida e escolhas de grupos de indivíduos. É a isso que se entregam os políticos extremistas da direita: utilizam os mandatos para transformar pessoas em coisas, simples mercadorias descartáveis. Matar a noção do Estado social,

“a derradeira encarnação moderna da ideia de comunidade: ou seja, a encarnação institucional de tal ideia em sua forma moderna de totalidade abstrata, imaginada, construída pela dependência, pelo compromisso e pela solidariedade.” (BAUMAN,2008.  P. 179).


Se forem bem sucedidos ao final do show de horrores que protagonizam – vide o governador que afirma que certo município se “destaca pela cor da pele das pessoas”[3], que é branca – esses sujeitos poderão ser qualificados como exterminadores tropicais, uma versão vulgar daqueles que atuaram nas primeiras décadas do século XX na Europa.

 

Notas:

[1] Michel Foucault. As palavras e as coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. 8ª edição. São Paulo: Martins Fontes. 1999.


[2] É sintomático que durante o Estado Novo, uma ditadura, se tenha concedido a cidadania por meio da concessão de direitos sociais e trabalhistas, criando uma classe para o novo regime. Essa foi uma das marcas do Brasil Moderno. Cf. Angela de Castro Gomes. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice, Ed. revista dos Tribunais; Rio de Janiero: IUPERJ. 1988.


[3] Governador diz que cidade de SC se destaca 'pela cor da pele das pessoas'. Por: Bianca Lucca - Correio Braziliense. In: Diário de Pernambuco. < https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2025/01/governador-diz-que-cidade-de-sc-se-destaca-pela-cor-das-pessoas.html > Acesso em 17/01/2025


Bibliografia:

Angela de Castro Gomes. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice, Ed. revista dos Tribunais; Rio de Janiero: IUPERJ. 1988.


Michel Foucault. As palavras e as coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. 8ª edição. São Paulo: Martins Fontes. 1999.


Zygmunt Bauman. Vidas para o consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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