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A CPI das bets e a crise da democracia

  • Foto do escritor: Rogério Baptistini Mendes
    Rogério Baptistini Mendes
  • 1 de jun.
  • 3 min de leitura

Entrevista concedida ao repórter Gabriel de Arruda Castro, do jornal Gazeta do Povo, em maio de 2025, sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets e o comportamento dos Senadores.

Foi publicada na edição do jornal do dia 20 de maio e assinates podem ler aqui: Selfies, curtidas e pouco decoro: conheça o novo Senado

Euclides da Cunha
Euclides da Cunha

Gazeta do Povo. Na CPI das Bets, na semana passada, alguns senadores foram criticados pela falta de decoro. O senador Cleitinho — que costuma fazer transmissões nas redes sociais com camisas de times de futebol — pediu para tirar uma selfie com a influenciadora Virgínia Fonseca, que compareceu como testemunha. O senador Jorge Kajuru também fez um fala criticada, na qual confessou ter pego dinheiro emprestado com colegas e reclamou do salário pago aos parlamentares. De forma geral, a atuação dos parlamentares na CPI tem sido alvo de críticas pela falta de seriedade e pela preocupação com curtidas nas redes sociais. Você concorda com esse diagnóstico?

Rogério Baptistini. No início da República, intelectuais do porte de Euclides da Cunha e Vicente Licínio Cardoso apontavam uma espécie de “seleção natural invertida” ao se referirem à representação política no Brasil. Influenciados pelo positivismo e pelo darwinismo social, viam na falta de virtudes cívicas e na baixa qualidade moral dos membros da elite política a prevalência dos menos aptos à frente dos negócios públicos.

Hoje, se estivessem vivos, os intelectuais citados ficariam envergonhados, pois o comportamento e a linguagem dos parlamentares é a expressão da vulgaridade e do desrespeito aos mandatos que encarnam.

O fenômeno atual é complexo e, sim, está relacionado à prevalência do universo virtual sobre o real. Nele, no mundo da internet e das redes sociais, a política ganha ares de espetáculo e de construção de teorias da conspiração, perdendo a conexão com a vida vivida. O que se expõe hoje é rapidamente esquecido e superado pela exibição de amanhã.

Num certo sentido, a democracia representativa está conhecendo uma séria crise, que marca talvez o limite da forma como vinha sendo exercida.  O sistema de partidos, as lideranças tradicionais e o debate político formador de consensos sobre o destino comum se mostram esgotados. Influenciadores digitais capazes de mobilizar a emoção popular e explorar a desesperança e os temores das pessoas inviabilizam os consensos e transformam a política em seu oposto, guerra contra o inimigo.

Os senadores citados na pergunta, ainda que não saibam, são a expressão da antipolítica que domina o parlamento e inviabiliza o destino comum dos brasileiros.


Gazeta do Povo. A atual configuração do Senado tem ex-atletas e parlamentares que nunca ocuparam um cargo expressivo antes. No passado, o Senado era tido como uma casa de políticos experientes, muitos dos quais haviam sido governadores ou deputados federais por muitos mandatos. O que mudou?

Rogério Baptistini. Muita coisa mudou! A sociedade se tornou mais complexa, incorporou novos sujeitos sociais. E a democracia representativa, que deveria canalizar as demandas populares não foi capaz de acompanhar o ritmo do movimento, ficou atrasada. Isso gerou frustações. Afinal, vivemos em sociedades políticas e as soluções para muitos dos problemas que nos afligem dependem de respostas que extrapolam nossa capacidade individual.

Sendo sintético, as frustrações acumuladas desaguaram em negação da política tradicional e desejo de renovação, mas também em negação da própria política: antipolítica. Algo que se dinamiza pelas reações extremadas manifestadas nas redes sociais, na qual a lógica da guerra contra o inimigo se sobrepõe à busca pelo consenso.


Gazeta do Povo. Na sua avaliação, o leitor usa lógicas diferentes nas eleições para a Câmara e o Senado? Ou os critérios para a escolha dos candidatos são semelhantes, apesar das funções diferentes?

Rogério Baptistini. É provável que utilize lógicas semelhantes para escolher representantes para a Câmara e o Senado. E, também, para as câmaras dos vereadores.

Hoje, a lógica do amigo-inimigo, da guerra, se impõe sobre a razão esclarecida e sobre os projetos comuns. E a responsabilidade não é exclusiva dos eleitores, mas dos partidos que apresentam candidatos e exploram a antilipolítica, deixando de cumprir uma função pedagógica verdadeiramente democrática.


Gazeta do Povo. Você acredita que o atual sistema de suplência do Senado precisa ser revisto? Se um senador é cassado ou morre no início do mandato o suplente (geralmente desconhecido) pode herdar o cargo por praticamente oito anos.

Rogério Baptistini. Não sei dizer se o sistema de suplência é o principal problema do Senado. Mas a possibilidade de um suplente, muitas vezes desconhecido do eleitorado, herdar um mandato de praticamente oito anos em caso de vacância levanta questões importantes sobre a representatividade e a legitimidade do processo.

Uma reforma do sistema de representação é imprescindível, pois a democracia como forma de governo e a própria sociedade política enfrentam uma grave crise nesta quadra da vida brasileira.

É papel não somente dos partidos, mas das lideranças empresariais e sociais debater e propor soluções, pois o futuro do Brasil está em questão.

 

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