Uma entrevista concedida em 2011 ao informativo Tendência Muncipal, de Taquaritinga-SP. Hoje, a conjutura é dramática e a extrema direita sabota a democracia aqui e no mundo, mas é possível acreditar Brasil e em dias melhores.
Darcy Ribeiro
Rogério Baptistini Mendes não é taquaritinguense. Não recebeu título de cidadão, nunca morou nem trabalhou aqui, não tem parentes na cidade. Nasceu em Araraquara, logo, sempre soube como é Taquaritinga. Sociólogo, mestre pela UNICAMP e doutor pela UNESP, professor e coordenador do curso de Pós-Graduação em Globalização e Cultura da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP/SP). Sãopaulino. Casado, sem filhos. Escreve em jornais, faz mediação de debates, mantém um blog. Na sala de aula, é onde revela seu brilhantismo. Culto, didático, expõe sua opinião de forma direta, incisiva.
Um pensador. Na intimidade, democrático, humanista, se envolve com os alunos e suas vidas. Um amigo. Autêntico, como se deve ser – e há tão poucos hoje em dia! Sincero, bem humorado, inteligente, meio amalucado... Um sujeito que poderia, sem dúvida, ter nascido em Taquaritinga!
Tendência Municipal: Existe uma “cultura caipira” a unir taquaritinguenses, araraquarenses, matonenses, jaboticabalenses, ribeirão-pretanos etc.?
Rogério Baptistini: Eu creio que existe, mas não sei bem se é uma cultura que possa ser definida como caipira, apesar de gostar da qualificação. Caipira, como sabemos, é o habitante da roça, geralmente possuidor de pouca instrução formal e modos que, aos olhos dos citadinos, são considerados rudes. E não creio que os moradores do interior do nosso Estado sejam assim. Numa origem remota, que remete às correntes de povoamento do território, isso, talvez, tenha sido válido. Hoje, não mais. A região compreendida pelas cidades de Taquaritinga, Araraquara, Matão, Jaboticabal, entre outras, é pólo dinâmico de desenvolvimento econômico, social e cultural. Possui centros universitários e de ensino técnico de ponta em relação ao restante do País, além de empresas modernas. É óbvio que o ritmo da vida é diferente do da capital, imprimindo nos comportamentos certos traços que lembram os tempos idos, do contato pessoal afetivo e prolongado, da vizinhança e do jeito de viver de antigamente, mas isso está mudando. Não creio, entretanto, que a tendência aponte para a individuação e o isolamento típico das metrópoles. É preciso aguardar. De qualquer forma, o jeito de viver e de falar do povo da região é atraente e nos faz pensar nas possibilidades de uma vida mais plena e feliz em relação aos nossos companheiros humanos, ainda que o sotaque possa causar alguma estranheza, sobretudo em função da herança do dialeto do caipira, formada no contexto da imigração do início do século XX.
TM: Como somos, os brasileiros?
Baptistini: Ao contrário de certo pensamento conservador, cuja origem remonta ao século XIX, somos um povo vitorioso. Fizemos, num curto espaço de tempo, em cerca de 40 anos, um país novo, moderno, urbano e industrial. As diferenças regionais e sociais, contudo, saltam aos olhos, mas não podem ser creditadas ao caráter do povo, a uma possível indolência devida à composição étnica, ou o que quer que seja. Concordo com as análises de Raymundo Faoro, autor do clássico “Os donos do poder”. O nosso problema é o “andar de cima”, o estamento político, desprovido de compromisso com o destino dos seus concidadãos. Infelizmente, ainda hoje, creio que os brasileiros, homens formados numa longa trajetória de trabalho intenso para dominar um território estranho e hostil e fazer dele uma sociedade civilizada, padecem os maus governos. Não fosse isso, estaríamos em melhor situação.
TM: A Cultura será globalizada?
Baptistini: A cultura está globalizada, mas isso não significa que ela seja a mesma em toda a parte, alcançando todos os homens da mesma forma. Os avanços nas técnicas, sobretudo no nível das comunicações, com os satélites, a internet, a TV a cabo, os celulares, aproximou as pessoas e gerou novas formas de interação, padronizando certos comportamentos e costumes. A globalização dos mercados em termos de produção e consumo também concorre para isso. Acontece, porém, que as bases sobre as quais esses processos se assentam é diversa, vária, e implica em formas particulares de assimilação do que é global, gerando padrões híbridos. Um jeito próprio de viver o contemporâneo em cada parte. Em certo sentido, a riqueza das culturas produzidas pelo homem permanece. Transformada, é óbvio, mas gerando frutos típicos e mostrando que não somos autômatos, mas homens, com experiências e costumes particulares, capazes de inovação, mas sem deixar morrer as raízes tradicionais. Um exemplo disso, talvez seja a moda de viola, que sobrevive animando o bate-papo entre amigos já não mais caipiras, mas empresários modernos, conectados ao mundo.
TM: Que papel a História guarda para o Brasil?
Baptistini: O Brasil é uma jovem nação, formada graças à contribuição de povos diversos. Estes foram capazes de se constituir como uma única gente, como brasileiros. O seu trabalho constante e os seus sonhos nos animam e mostram ao mundo que é possível construir um destino comum, em que pese as diferenças de cor da pele, lugar, religião. Se conseguirmos mudar o cenário político e fazer do Brasil uma verdadeira República, acredito que a utopia de Darcy Ribeiro se concretize e nos tornemos, de fato, uma grande nação de um povo rico e feliz.
TM: Aconselharia um jovem estudante a cursar Sociologia?
Baptistini: Esta é uma pergunta difícil. Eu sou sociólogo e hoje, aos 45 anos, estou feliz com a minha escolha de juventude. Para o jovem eu diria, sem medo de cair no lugar comum, que escolha o seu caminho. Ele não é definitivo quando se tem 17, 18 anos, mas pode vir a ser. Aos 40, ele ainda não é definitivo. É sempre possível mudar, fazer outros planos. Basta viver.
Publicada originalmente em Tendência Municipal, edição de 25 de novembro de 2011.
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