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A Sabotagem Institucional: Como a Extrema Direita Inviabiliza a Democracia Brasileira

  • Foto do escritor: Rogério Baptistini Mendes
    Rogério Baptistini Mendes
  • há 18 horas
  • 4 min de leitura

Derrotada nas urnas e impedida de consumar o golpe, a extrema direita preservou sua maioria no Congresso e transformou a sabotagem institucional em método político. Da Lava-Jato ao descumprimento de decisões do STF, o ataque à democracia brasileira segue uma estratégia global coordenada.

Benjamin R. Teitelbaum
Benjamin R. Teitelbaum

A democracia brasileira, institucionalizada pela Constituição de 1988, vive sob ataque sistemático. O diagnóstico se sustenta na análise de uma sequência de eventos que parecem isolados, mas compõem uma estratégia deliberada de corrosão do Estado Democrático de Direito. A jovem democracia venceu eleitoralmente o governo Bolsonaro e resistiu à tentativa de ruptura de 8 de janeiro de 2023. Mas a vitória eleitoral e a resistência jurídica não encerraram a ofensiva. Apenas a deslocaram para novas frentes e métodos.


O ataque não começou com Bolsonaro. Seus antecedentes estão na Operação Lava-Jato, cujos procedimentos, revelados a partir da Vaza Jato e de decisões do próprio Supremo Tribunal Federal, evidenciaram o uso do Direito como arma de disputa política. O que se apresentava como cruzada moral contra a corrupção revelou-se um caso típico de lawfare. A perseguição judicial a lideranças políticas, especialmente a Luiz Inácio Lula da Silva, reconfigurou o sistema político e abriu caminho para a ascensão de Bolsonaro. Juízes e promotores não cometeram erros técnicos: subverteram a relação entre legalidade e legitimidade, criando uma crise institucional cujos efeitos se estendem até hoje.


O bolsonarismo tampouco foi acidente histórico. Ele foi gestado por uma rede de interesses que articula financiamento privado, think tanks estrangeiros, segmentos neopentecostais mobilizados politicamente e uma máquina de desinformação altamente profissionalizada. A difusão de fake news, a manipulação algorítmica e o uso de gatilhos emocionais produziram realidades paralelas, capturando parte significativa da opinião pública. Os atores envolvidos expressam interesses diversos, que vão do agronegócio oligárquico ao mercado financeiro refratário a políticas redistributivas, da bancada religiosa conservadora a pressões geopolíticas externas que almejam o controle de recursos naturais.


Como demonstra Benjamin R. Teitelbaum em Guerra pela Eternidade: O Retorno do Tradicionalismo e a Ascensão da Direita Populista (Editora da Unicamp, 2020), o Brasil integra uma estratégia internacional da extrema direita. Steve Bannon e seu círculo operam um projeto transnacional que pretende enfraquecer democracias liberais, deslegitimar instituições supranacionais, ampliar políticas de exclusão e normalizar o autoritarismo. O bolsonarismo é a inflexão brasileira dessa constelação que conecta Trump, Orbán e Milei. A sabotagem institucional, a guerra cultural permanente e a desinformação sistemática não são improvisos, mas parte de um manual compartilhado.


Derrotada nas urnas em 2022 e impedida judicialmente de consumar o golpe de 2023, essa coalizão reacionária não se dissolveu. Preservou posições estratégicas no Congresso. A extrema direita controla a maioria nas casas legislativas e utiliza essa vantagem não para exercer oposição responsável, mas para promover a sabotagem do governo eleito e pressionar as instituições republicanas.


O episódio mais emblemático é a resistência da Mesa da Câmara, sob a presidência de Hugo Motta, ao cumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal que determinam a perda de mandato de parlamentares condenados. Invocando uma autonomia que não existe em termos absolutos, a Câmara protela e resiste a determinações judiciais, tensionando o princípio republicano de que ninguém está acima da lei. Comparada à retórica ostensiva de Arthur Lira, a estratégia atual é mais silenciosa, e, por isso mesmo, mais perigosa.


A indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal segue a mesma lógica. Nomear ministros do STF é prerrogativa constitucional do Presidente, sujeita à sabatina e aprovação do Senado. Entretanto, a indicação tem sido tratada como suspeita ou ilegítima por setores que jamais questionaram as nomeações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, este último apresentado como "terrivelmente evangélico". O duplo padrão é evidente e revela a intenção política de impedir que o governo exerça suas prerrogativas constitucionais.


Esses episódios não são "tensões normais" entre poderes. São componentes de uma estratégia de ingovernabilidade. A separação de poderes, tal como formulada por Montesquieu, pressupõe boa-fé institucional e compromisso com o sistema republicano. Quando agentes públicos invocam a independência institucional precisamente para violar o Estado de Direito, corremos o risco de cair na armadilha de enfrentar o paradoxo da tolerância, tal como formulado por Karl Popper (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos. Ed. Itatiaia/Ed. USP, 1974), ou seja, a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Os extremistas utilizam as franquias da democracia para destruí-la.


O conflito atual entre os poderes não expressa divergências legítimas de um sistema saudável. São pura e simples sabotagem. A coalizão reacionária que controla o Congresso bloqueia reformas, protege criminosos condenados, inviabiliza a ação governamental e tenta deslegitimar instituições que resistem ao autoritarismo. Nas redes sociais, a usina permanente de desinformação segue invertendo a realidade e transformando algozes em vítimas.


O futuro democrático do Brasil está, sim, ameaçado.

É hora de afirmarmos com clareza que o Supremo Tribunal Federal e o governo legitimamente eleito não são os inimigos da Nação. Os inimigos são aqueles que distorcem suas prerrogativas para sabotar a República; que abandonaram qualquer projeto de país e adotaram a estratégia golpista como modo de atuação política; que, derrotados nas urnas e contidos pela Justiça, utilizam o Legislativo para criar um estado permanente de ingovernabilidade.


A democracia brasileira exige coragem moral e clareza intelectual. Não basta lamentar ataques. É preciso enfrentá-los. É preciso defender as instituições, denunciar as táticas de sabotagem e reconstruir uma cultura política baseada na boa-fé, no respeito à Constituição e no compromisso com o interesse público. Neutralidade, diante da ofensiva antidemocrática, não é virtude, é cumplicidade.

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