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Entre o atraso e a exclusão: o bolsonarismo e o fim do projeto de nação

  • Foto do escritor: Rogério Baptistini Mendes
    Rogério Baptistini Mendes
  • há 12 horas
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 11 horas

O bolsonarismo transforma o velho autoritarismo em caricatura: retoma práticas arcaicas, desmonta direitos e abandona qualquer projeto de nação, convertendo o Estado em servo do capital e o país em colônia.

Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro

Em mais uma viagem redonda, o bolsonarismo nos faz retornar às décadas de 1920 e 1930. Naquela época, intelectuais e membros das elites brasileiras buscavam justificar soluções autoritárias com base em projetos de modernização econômica. A diferença é que, antes, o iliberalismo e a subestimação da democracia política pretendiam viabilizar a industrialização, o salto para frente na economia e a construção de uma nação moderna e coesa. Hoje, o que se observa é o contrário: um projeto que nos empurra de volta à lógica colonial.


As velhas práticas que eram alvo das denúncias dos autoritários de outrora — o clientelismo e o patrimonialismo — são hoje cultivadas com empenho por políticos da direita e da extrema-direita, determinados a guiar o povo rapidamente de volta ao passado. Basta observar o comportamento dos membros do Congresso e a manipulação das verbas do chamado orçamento secreto para notar esse giro regressista. É como se suas ações ecoassem a crítica de Oliveira Vianna às oligarquias regionais e aos políticos da República de 1891: elites incapazes de construir uma nação coesa e consciente de si mesma.


Os bolsonaristas que adulam os Estados Unidos e Israel como modelos de civilização identificam o povo brasileiro — sobretudo o pobre — como um entrave ao seu projeto. Não por acaso desqualificam os programas sociais. Um exemplo emblemático foi o de um empresário do ramo de importação que, durante a pandemia da Covid-19, afirmou à BBC: “Ninguém quer fazer o mínimo de esforço… 45 reais para cada, 950 caixas, café após o serviço, ninguém quer”. Para eles, o pobre que recebe o Bolsa Família é moralmente inferior e responsável pelo atraso nacional. Não veem problema nos incentivos concedidos pelo Estado aos empresários, mas denunciam como danosa a política pública que mitiga o sofrimento popular. Esse julgamento moral recupera os preconceitos biológicos e evolucionistas do passado e reitera o clamor por líderes fortes e disciplinadores como solução para o “atraso brasileiro”. O resultado, naquela ocasião, foi o Estado Novo. Hoje, os riscos democráticos se impõem novamente.


No Estado Novo, o autoritarismo era uma prática comprometida com a mudança e o primado do nacional, refletindo um compromisso com o moderno entendido como industrialização. Hoje, ao contrário, o bolsonarismo busca a manutenção do atraso e se apoia no clientelismo, no patrimonialismo e no racismo. Faz da subestimação da democracia uma profissão de fé. Em comum com a herança anterior, apenas o iliberalismo. Todo o resto é a busca pela conservação de privilégios e posições de mando, com a conversão do Estado em agência do capital financeiro. Relembrando Caio Prado Jr., são partes inteiras do passado que embaraçam o nosso destino.


Se o autoritarismo do passado redundou em direitos sociais e na construção de um Brasil moderno, urbano e industrial, o presente nos leva de volta ao Brasil agroexportador, no qual, da porteira da fazenda para dentro, valia a lei do dono. É assim que o bolsonarismo ressoa como uma tradição esvaziada, algo como um conceito sem conteúdo, uma casca. Enquanto a geração das décadas de 1920 e 1930 pensava a nação em seu conjunto, como um projeto coletivo, Bolsonaro e os que o seguem praticam uma ideologia de exclusão, travestida de defesa da moral, da família e do mercado livre. E o incrível é que conquistaram até a oficialidade do Exército, corporação de tradição positivista e responsável pela modernização social e política e pelo desenvolvimento econômico nacional.


Esse imaginário que recupera modelos externos, criticado por pensadores autoritários do passado, como Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, quando levado a efeito pelos bolsonaristas, desqualifica o próprio povo brasileiro e os líderes nacionalistas, que aparecem como culpados pela miséria, e não como vítimas e participantes de um sistema-mundo desigual e historicamente excludente.


No passado, o pensamento político autoritário tinha a pretensão de dar sentido às ações voltadas para a construção da nação moderna. O autoritário era informado pelo fracasso na construção da nação, e isso exigia sua ação enquanto sujeito político, enquanto ator empenhado em superá-lo. Hoje, o bolsonarismo transforma tudo em uma caricatura vazia. Se antes a realidade era matéria bruta para transformações que requalificavam o projeto moderno, criando o nacional autêntico, com Bolsonaro e os seus isso se converteu em uma política de desmonte institucional, de deslegitimação dos direitos sociais e de apego a uma ordem econômica primária e dependente. O discurso de oposição à cópia, à imitação do modelo estrangeiro, que orientou parte das reformas modernizadoras do passado, cedeu lugar a uma retórica de negação da ciência, do meio ambiente, da diversidade cultural e da própria ideia de nação como comunidade de destino.


Para o bolsonarismo, não há alternativas de futuro moderno e soberano para o Brasil. O culto ao mercado livre, a destruição do Estado e a entrega do patrimônio público favorecem a concentração de renda, vilipendiam os brasileiros pobres e fazem da pátria uma colônia. Do autoritarismo de outrora resta apenas a visão da questão social como questão de polícia. O povo, afinal, como bem definiu Darcy Ribeiro, para as elites locais não passa de carvão para queimar.

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