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Florestan Fernandes: Legado e Impacto da Sociologia Brasileira

Foto do escritor: Rogério Baptistini MendesRogério Baptistini Mendes

Atualizado: 14 de jan.

O mais importante sociólogo brasileiro, Florestan Fernandes teria comemorado 104 anos em 22 de julho. Além de ser o responsável pela implementação da Sociologia como disciplina científica no país, ele foi um intelectual comprometido com a luta pela transformação social.

Florestan Fernandes


I. Florestan e sua obra  


Florestan Fernandes não foi apenas o mais importante sociólogo brasileiro. Ele foi o responsável pela construção da Sociologia como disciplina científica no Brasil, com temas e problemas próprios. Sua obra reflete a consciência científica da realidade, obtida pelo rigoroso diálogo com as teorias clássicas e a realização de pesquisas virgens, impostas pela particularidade social. Neste sentido, sua produção é notável. Seu legado é a criação da interpretação sociológica brasileira, não colonizada, com foco nos ritmos e tempos históricos da sociedade e de sua lógica, refletida no cotidiano dos grupos e das classes que a compõem.  


O problema da dinâmica social, do movimento, da transição da sociedade senhorial para a sociedade de classes ilumina formulações essenciais de Florestan Fernandes e ajuda a compreender o passado e o presente. O descompasso entre ideias liberais e realidade econômica durante o império, a república que não foi capaz de incorporar os homens negros, o peso da tradição a embaraçar a modernidade estão presentes em uma Sociologia que busca captar os obstáculos que retardam o desenvolvimento. Por este motivo, ciência crítica, não conformada ao status quo, e combatida, como aconteceu em 1969, como consequência do AI-5 de 1968. 


Em A Sociologia numa Era de Revolução Social, de 1963, Florestan Fernandes escreve que “nos ‘países subdesenvolvidos’ […] só vê algo sociologicamente quem quer algo socialmente”. De fato, ao revelar a formação, os problemas, as lutas e perspectivas do povo brasileiro, a Sociologia abriu importantes possibilidades para transformações, para a imaginação do futuro possível contido nas estruturas sociais. O pensamento científico descortina tendências e aponta possibilidades que vão além da mera reiteração da realidade. Na teia das relações sociais encontra as possibilidades de negação do presente, tornando os homens mais do que mera expressão determinada de condições que não podem apanhar. É uma Sociologia da práxis, da autonomia e da esperança; do que pode ser. 


II. Nos dias de hoje 


As perspectivas produzidas pela dinâmica brasileira, na qual a dissolução da sociedade tradicional não foi completa, se apresentam na violência com que índios, negros, pobres, grupos e classes minoritários são tratados. A ausência de incorporação ao estatuto da cidadania e a persistência da exclusão econômica, política, social e cultural resultam das condições de uma peculiar revolução burguesa ocorrida tardiamente sob o capitalismo dependente. O tema, tratado no conjunto de obras dos anos de 1960 e 1970 –Integração do Negro na Sociedade de Classes  (1964), Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento (1968) e A Revolução Burguesa no Brasil (1975)- está presente em seu último artigo, publicado pela Folha de São Paulo um dia após a sua morte, em 11 de agosto de 1995. Nele, sob o título O Rateio da Pobreza, Florestan Fernandes esclarece que o subdesenvolvimento -alimentado pela estagnação econômica, pelo atraso cultural e pela dependência política “só desaparecerá quando os de baixo lutarem organizadamente contra a espoliação, exigindo transformações profundas na política econômica, nas funções do Estado e na estrutura da sociedade de classes”.  


A revolução social, tema frequente na obra de Florestan Fernandes, aqui, nesta parte do mundo, periferia em relação ao centro do sistema econômico e social do capitalismo, é um desafio teórico e uma perspectiva prática. E é, igualmente, uma necessidade imperativa. Esse o motivo de a Sociologia ser tão combatida e desprestigiada. Com Florestan Fernandes, ela orienta a passagem do conhecimento para a ação, faz dos homens sujeitos de seu destino ao indicar formas de intervenção na realidade. Conforme ele esclarece, em A Condição do Sociólogo, livro de 1978, as pesquisas sobre as relações raciais em São Paulo, sobre os Tupinambá e sobre o folclore paulista ressoaram em sua vida intelectual, colocando a sociologia “em contato com os problemas humanos da sociedade brasileira”, abrindo um horizonte fecundo e crítico. Daí o chamada caráter militante de sua obra, que o conecta à atualidade da maioria do povo esquecido e vitimado pelas classes dominantes. 


III. Pensar a realidade social a partir da raiz 


A Sociologia, conforme ensina Florestan Fernandes, permite pensar a realidade social a partir da raiz, encontrando as conexões lógicas e históricas de fenômenos que aparentemente se apresentam como isolados e fortuitos. Ela auxilia os membros de uma sociedade a enxergarem como os seus destinos estão conectados numa teia de relações que faz da existência de cada um sempre uma existência social, dando sentido às condições particulares de cada grupo e classe em suas ações, reações e formas de interação. A sociedade, com suas desigualdades, aparece não como um acidente ou algo intangível à ação, mas como uma estrutura na qual as partes e o todo se constituem reciprocamente, se formam e se informam, carregando as possibilidades de transformação. À imaginação sociológica, para falar como Wright Mills (A Imaginação Sociológica. 1959), cabe o papel de explorar esses possíveis e ser uma autoconsciência dessa realidade. 


Aos governantes, que se anunciam cotidianamente como conservadores, não escapou o caráter revolucionário da Sociologia em uma sociedade como a brasileira. Talvez seja esse o motivo dos ataques endereçados às instituições universitárias onde ela é ensinada e praticada. Historicamente, o Brasil se constituiu como uma imensa planta industrial destinada a explorar a terra e as gentes até o limite do exaustão. Desde de Frei Vicente do Salvador, passando por Caio Prado Jr e Darcy Ribeiro, há farta literatura a demonstrar o que significa conservar entre nós.  


Celebramos o centenário de Florestan Fernandes em meio a uma das maiores crises humanas e sociais do Brasil moderno, cujos efeitos se fazem sentir com maior intensidade na vida dos índios, dos negros e dos pobres. Certamente, a Sociologia do mestre desaparecido em agosto de 1995 auxilia a diagnosticar a situação e encontrar um remédio que alimente a esperança dos de baixo.


BIBLIOGRAFIA:


FERNANDES, F. A condição do sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978.


______________. A integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma nova era. São Paulo: Dominus/Edusp, 1965.


______________. A Sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Nacional, 1963.


______________. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.


______________. O rateio da pobreza, In: Folha de São Paulo. edição de 11 de agosto de 1995. < Folha de S.Paulo - O rateio da pobreza - 11/8/1995 (uol.com.br) > Acesso em 30 de julho de 2024.


______________. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2015.


MILLS, W. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.


MAIS INFORMAÇÕES:


Em 2020, por ocasião do centenário no nascimento


Em 2020, durante o centenário de nascimento de Florestan Fernandes, tive a oportunidade de participar do programa da TV Cultura de São Paulo "Especial Florestan Fernandes: 100 anos". Contribuí também com uma entrevista concedida ao repórter Edison Veiga para o artigo "Florestan Fernandes: como o sociólogo explicaria o país de 2020".


Clique nos títulos para acessar o programa e o artigo.





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